ONDE TEM PASSE LIVRE ?
Em Cotia, nenhum estudante, matriculado em escola pública, que more a mais de 2 Kms da escola onde esteja matriculado, paga passagem. Mas isso não foi uma bondade da prefeitura, foi uma conquista dos estudantes de Cotia.
O ano era 1991, eu estudava na escola Antonieta de Lascio Oseki, no Jardim Claudio, o movimento estudantil estava bastante organizado e tínhamos uma juventude muito ativa. Dentre estes estudantes se destacava um baiano que impunha respeito onde chegava. As vezes dava mais medo do que respeito, mas o fato é que o sujeito era ouvido! Eu o conhecia, morava perto de minha casa, no Km 30. Era o Joelito.
Na infância nossos encontros não eram dos melhores... ele morava no Parque Rincão, atrás do D.E.R e eu também morava no Parque Rincão, só que outro lado da rodovia, atrás do Cemitério Jardim das Flores... do "meu lado" tinhamos um time que era bom de bola... mas o time do Joelito era melhor de pancada... a gente até ganhava, mas o preço era alto! Todas as vezes a mesma história... pernas pra que te quero!
A juventude chegou e junto com ela as responsabilidades. Na periferia, as opções sempre foram poucas... normalmente, tudo acontece mais cedo, casa-se cedo por que a vida não permite fazer planos de longo prazo, por razões semelhantes, também na periferia se morre cedo, porque a violência anda na contra-mão das oportunidades, que até aparecem, mas ai, falta estudo, falta preparo e a vida continua diminuindo as chances das juventudes. Nesta época, eu já tinha passado pelos problemas de rua, de drogadição e estava mais preparado pra enfrentar a vida! Já militava na Pastoral da Juventude e no Movimento Estudantil, tinha sido enviado pra escola Antonieta justamente pra formar os grêmios de duas escolas, do Jornalista que fica no centro do Jardim Claudio e no próprio Antonieta.
Esta era minha tarefa, depois que cumpri, formei ali alguns lideres estudantis e no fim do ano, me transferi pra Escola Pedro Casemiro Leite. Ali, encontrei novamente com o Joelito e passei a colaborar com o Gremio Estudantil Nossa Luta, que tinha como mascote, a Graúna do Enfil, o que ligava o Grêmio também ao PT.
Em 1992, o Brasil viveu uma situação fantástica de efervescência política da juventude. Alguns dizem que foi algo planejado pela Globo, mas assim como este momento que estamos vivendo agora, não era... a diferença é que em 1992, havia um processo organizado, ideológico e com direção clara...
Durante praticamente todas as semanas de 1991 e 1992, a juventude estudantil de Cotia foi para as ruas! O prefeito da época era o Mario Ribeiro e a situação era de muita pressão. Todas as semanas, as vezes duas vezes por semana, íamos para a porta da Câmara Municipal de Cotia reivindicando que fosse votada o projeto de Lei do Vereador do PT, Vitor Hummus, que criava a obrigatoriedade do Poder Executivo fornecer Passes Escolares para todos os estudantes matriculados em escolas publicas, de 1º e 2º graus, ou seja, todas as crianças, desde e a 1ª serie, do 1º grau, do hoje conhecido como ensino fundamental, até o 3º ano Colegial, hoje Ensino Médio passariam a ter o direito a serem transportados gratuitamente em Cotia!
Depois de muita pressão, de dezenas e dezenas de manifestos, passeatas e lutas, finalmente a Camara Municipal de Cotia aprovou a lei do vereador petista Vitor Ummus. Os estudantes de Cotia, agora, precisavam garantir que o prefeito sancionasse a lei... e ai, a coisa apertou de novo! O movimento continuou e o Joelito se mostrava cada vez mais uma liderança estudantil e política!
Outra pessoa que foi imprescindível nesta história: O diretor da escola Pedro Casemiro Leite, professor Santo Siqueira. Embora não tivesse interferência direta na direção do movimento, Siqueira era muito respeitado e apoiava de maneira enfática o movimento e acreditava como ninguém que aquela mobilização levaria a cidade a pagar as passagens dos estudantes! Este sonho sempre foi ligado a uma questão de quem mora em centros urbanos! Talvez o maior motivador da desistência escolar é a falta de condições econômicas de um aluno chegar na escola. A evasão escolar tem uma relação muito direta com esta condição ou a falta dela. Nunca ouvi falar em nenhum estudo relacionado ao tema, mas aqui fica uma proposta de TCC para os estudantes que quiserem se aprofundar sobre o tema. Com certeza a comparação com a evasão escolar entre Cotia e outras cidades, haverá diferenças, pois o transporte (no sentido economico) não é um problema para os estudantes terem acesso às escolas em Cotia!
Finalmente, no fim do mandato de Mario Ribeiro em 1992, sanciona a Lei do Passe Escolar Gratuito:
MÁRIO RIBEIRO, Prefeito do Município de Cotia; FAZ SABER que a Câmara Municipal, aprovou e ele sanciona e promulga a seguinte Lei:
Art. 1º - O artigo 1º e o § 2º da Lei nº 357, de 11 de maio de 1990, mantido o seu § 1º, passam a viger com a seguinte redação:
"Art. 1º - Fica o executivo autorizado a fornecer passes escolares a alunos matriculados em curso regular e de suplência de 1º e 2º Graus, residentes no município e em locais onde haja estabelecimento de ensino com a série a frequentar".
"§ 2º - O beneficio cessará com a instalação, nas imediações da residência do beneficiário, quando for o caso, de curso regular de 1º e 2º Grau".
Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Prefeitura do Município de Cotia, aos 18 dias do mês de Dezembro de 1992.
MÁRIO RIBEIRO
Prefeito
Faltando 13 para terminar o seu primeiro mandato e pressionado pelas muitas passeatas e pela luta estudantil, Mario Ribeiro deixa um "presente" para seu sucessor, Ailton Ferreira, que durante a campanha havia se comprometido em por o passe escolar gratuito em pratica! Hoje analisando a história, acredito que nem o Ailton acreditava que ganharia aquela eleição do Zé Camargo (tio do Carlão), por isso, prometia pra quem quisesse ouvir.
Já em 1993, Ailton Ferreira, começou o mandato não enviando o passe escolar para as escolas ai, estouraram várias manifestações, sempre com o Grêmio dos Estudantes do Pedro Casemiro e o Joelito à frente. Durante este processo, outro grupo que se fortalecia era a Pastoral da Juventude e era na Paróquia Nossa Senhora de Monte Serrat, que nos organizávamos para preparar os atos, criar Grêmios Estudantis nas escolas que não existiam e participar das mobilizações.
Aqui, começa um novo capítulo nesta história. A nova administração não havia preparado orçamento para receber o impacto do pagamento das passagens para todos os estudantes da cidade e realmente, criava-se um impacto que não seria fácil superar, mas pior que isso, seria enfrentar indefinidamente os estudantes e o desgaste politico que isso proporcionava. Os passes começaram a chegar!
Em 1994, eu já assumia muitas tarefas no movimento, Joelito, por problemas particulares e pessoais, entre eles o de sustentar a família não teve condições de permanecer na militância por tanto tempo! E a luta não era fácil. O passe vinha num mês, em outro não, tinha escolas que recebiam, tinham escolas que não recebiam, isso proporcionava ao governo uma forma de dividir o movimento que ja estava nas ruas a praticamente 3 anos e estava cansado... em algumas situações o passe chegava pra parte dos alunos das principais escolas, pra outra não!
E pra completar, criou-se na cidade uma entidade de estudantes que era ligada ao governo, liderada pelo jovem Nilson Aranha e depois por Sergio Folha. Ora eles estavam conosco, ora não estavam, teve vezes de chamarmos manifestações e eles serem contrários e isso criou uma animosidade e confrontos muito grandes principalmente com as correntes mais à esquerda do movimento que não aceitavam dialogar com eles, teve um ato, que invadimos a escola Zacarias em protesto contra o Grêmio da escola!!
Em 1995, fui eleito Conselheiro Tutelar de Cotia, pelos estudantes e pela Pastoral da Juventude e a luta pelo passe foi se acalmando, pois foi sendo solidificada a luta. Os prefeitos sabiam que faltar o passe era certeza de encrenca! Numa destas manifestações por atraso na entrega do passe, os alunos se dirigiram para a Camara Municipal, e ao chegarem lá, os vereadores estavam dentro da Camara, mas não havia mais sessão. Os estudantes, cercaram a Camara e exigiam que os vereadores os recebessem, nisso, saiu o então vereador Nelsinho Jabá. E com o portão da garagem trancado, deu um soco ou uma cotovelada no nariz de um estudante. Era o que precisava para iniciar um tumulto generalizado... invadiram a Camara e começaram a queimar lixo e riscar os carros, quebrar portas e por ai vai!
Neste dia, eu havia avisado que estaria chegando mais tarde no protesto, pois tinha um compromisso na Igreja Santo Antonio do Portão. Quando terminei meu compromisso, por volta das 20:00hs, fui pegar o ônibus e passaram algumas viaturas da Guarda Civil... na hora entendi que o ato tinha dado problema... quando estava passando outra viatura, como era também conselheiro tutelar, pedi pra viatura parar e me deram carona, mesmo porque, no protesto estavam muitos adolescentes. No caminho, ouvi pelo rádio da viatura que o problema era grave! Quando cheguei no local, o caos estava instalado... Mas as coisas estavam mais calmas, o estrago já havia sido feito. Identifiquei o rapaz que havia tomado o tal soco e o convenci a me acompanhar até a delegacia!
O que não sabia era que estava sendo preparado na delegacia uma prisão em flagrante pra mim, pois eu estava sendo acusado de ser o causador do tumulto, por ser o lider do protesto e muitos terem me visto no local liderando a mulecada! E aqui, teve uma coisa interessante, o hoje policial militar reformado, Sargento Gilmar, quando me viu chegando, sabia que estavam fazendo uma armação contra mim! Antes que eu entrasse na delegacia, me chamou e falou pra mim, não com muita delicadeza... vaza... sai daqui que os caras querem seu pescoço! Eu sai...
Lembro muito de minhas intermináveis reuniões com o Fernando, secretario da educação do Ailton. Sempre atencioso, quase o deixei maluco, mas se tornou, anos mais tarde um grande amigo!
Muitos estudantes foram imprescindíveis nesta luta... tinha um pessoal no Vinicius de Moraes, muito comprometido dos quais não me recordo o nome... mas se quisesse parar a Raposo, não precisa nem ir lá... um telefonema resolvia!
O Pedro Casemiro Leite era um capitulo à parte. Ali estava a nata do movimento estudantil, muita gente boa, muita gente comprometida! No Zacarias, com todas as dificuldades, era a escola mais importante estratégicamente e muito comprometida com a luta, pois eram os estudantes que junto com o pessoal do Idomineu, primeiro podiam chegar na prefeitura em razão da distância!
Os alunos do Tenente Ernesto, do Odair Pacheco era o bastião da esquerda. Dali surgiram o Rogerio Olmo e o Damião Vicente! As escolas da Vila São Joaquim, mais o Kenkiti formavam um trio mais ativo na periferia da região central! Quando eles vinham, a massa estudantil era muito grande!
Olhando para os dias de hoje, me sinto muito feliz... faço parte desta história!
Comentários
Postar um comentário
Mensagens ofensivas não serão publicadas. As da pequena oposição não serão sequer lidas! A confirmação da mensagem serve para identificar através do ID pessoas que se utilizam do anonimato para enviar mensagens ofensivas!