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Embora estes textos sejam grandes, sua leitura para aqueles que querem compreender o papel do Cristão, frente a questão dos direitos humanos,é de leitura obrigatória: Aqui saimos das visões pequeno burguesas carregadas de preconceitos contra os direitos humanos e vamos ao cerne da questão. O direito humano é parte da alma da Igreja, que defende a Criatura de Deus, o homem e a mulher, que é Sua Própria Imagem e Semelhança!
Em recente conferência em Madri, o Cardeal Tarcisio Bertone realçou a importância que a Santa Sé atribui ao reconhecimento e à tutela dos direitos fundamentais da pessoa humana, e o compromisso dos católicos com a defesa e promoção desses valores
Cardeal Tarcisio Bertone, SDB
Secretário de Estado do Vaticano
A Igreja toma muito a sério a questão dos Direitos Humanos. O desejo da paz, a procura da justiça, o respeito à dignidade da pessoa, a cooperação e a assistência humanitária expressam as justas aspirações do espírito humano. Ressoa ainda em nossos ouvidos, a este propósito, o eco das palavras dirigidas pelo Papa Bento XVI à Assembleia Geral da ONU em 18 de abril de 2008, nas quais acentuava que a Declaração Universal dos Direitos do Homem "foi o resultado de uma convergência de tradições religiosas e culturais, todas motivadas pelo comum desejo de colocar a pessoa humana no centro das instituições, leis e intervenções da sociedade, e de considerar a pessoa humana essencial para o mundo da cultura, da religião e da ciência".
Contribuições do Cristianismo e da doutrina social da Igreja
Os Direitos Humanos nasceram da cultura europeia, de indubitável matriz cristã. E não por acaso. O Cristianismo herdou do judaísmo a convicção, plasmada na primeira página da Bíblia, de que o ser humano é imagem de Deus. Por isso, a Igreja deu sua própria contribuição - tanto com a reflexão sobre os Direitos Humanos à luz da Palavra de Deus e da razão humana, quanto com seu compromisso de anúncio e de denúncia, que a converteu em uma infatigável defensora da dignidade do homem e de seus direitos - também nesses sessenta anos que nos separam da Declaração de 1948.
Em numerosas ocasiões, os Sumos Pontífices expressaram o apreço da Igreja pelo grande valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos. [...]
Em sua segunda visita à ONU, em 5 de outubro de 1995, João Paulo II recordou: "Existem de fato direitos humanos universais, enraizados na natureza da pessoa, nos quais se refletem as exigências objetivas e imprescindíveis de uma lei moral universal. Longe de serem afirmações abstratas, esses direitos nos dizem algo importante sobre a vida concreta de cada homem e de cada grupo social. Recordam-nos também que não vivemos num mundo irracional ou sem sentido, mas, pelo contrário, há uma lógica moral que ilumina a existência humana e torna possível o diálogo entre os homens e os povos".
Recorda-nos o Santo Padre Bento XVI, em discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas: "Os direitos humanos são cada vez mais apresentados como a linguagem comum e o substrato ético das relações internacionais. Ao mesmo tempo, a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos Direitos Humanos servem de garantia para a salvaguarda da dignidade humana. Contudo, é evidente que os direitos reconhecidos e traçados na Declaração se aplicam a todos, em virtude da origem comum da pessoa, a qual continua sendo o ponto mais alto do desígnio criador de Deus para o mundo e para a História. Esses direitos baseiam-se na Lei Natural inscrita no coração do homem e presente nas diversas culturas e civilizações. Remover os Direitos Humanos deste contexto significaria limitar o seu âmbito e ceder a uma concepção relativista, segundo a qual o significado e a interpretação dos direitos poderiam variar, negando sua universalidade em nome dos diferentes contextos culturais, políticos, sociais e até religiosos".
Direitos anteriores e posteriores a todos os direitos positivos
Após um intenso trabalho, propiciado pelas circunstâncias e pelos desastres a que a guerra levara os povos europeus do século XX, foi aprovada a Declaração Universal, com o respaldo da grande maioria dos 58 países que formavam então a ONU.
Todo homem vive de um entrelaçamento de sonhos e realidades. Todos aspiram viver no reino da paz e da justiça. Quando defendem um direito, não mendigam um favor, reclamam o que lhes é devido pelo simples fato de ser homem.
Por isso se chamam direitos naturais, inatos, invioláveis e inalienáveis, valores inscritos no ser humano.Por esse significado profundo e por seu enraizamento no ser humano, os direitos humanos são anteriores e superiores a todos os direitos positivos. Portanto, o poder público deve, por sua vez, submeter-se à ordem moral, na qual se inserem os direitos do homem.
Essa Declaração representa a expressão escrita das bases nas quais se fundamenta o Direito das nações, as leis da humanidade e os ditames da consciência pública adaptados ao espírito do Terceiro Milênio. Como os problemas deixaram de ser nacionais, também as justas soluções hão de ser encontradas no âmbito internacional. Tudo isso supõe um progresso da humanidade e, nesse sentido, a Declaração converteu-se em um ponto de referência universal de justiça em escala planetária.
A Lei Natural, denominador comum para todos os homens e povos
No ato organizado pelo Pontifício Conselho "Justiça e Paz", no 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Santo Padre Bento XVI recordou que esse documento "constitui ainda hoje um altíssimo ponto de referência do diálogo intercultural sobre a liberdade e os direitos humanos", e depois insistiu em que, "em última instância, os direitos humanos estão fundamentados em Deus Criador, o qual deu a cada um a inteligência e a liberdade. Prescindindo dessa sólida base ética, os direitos humanos são frágeis, porque carecem de fundamento sólido".
Quando o Magistério da Igreja fala dos direitos humanos, não se esquece de alicerçá-los em Deus, fonte e garantia de todos os direitos, nem de enraizá-los na Lei Natural. A fonte dos direitos nunca é um consenso humano, por mais importante que este seja. Ensina Bento XVI, na Mensagem para a Jornada Mundial da Paz de 2007: "O reconhecimento e o respeito pela Lei Natural são, hoje também, a grande base para o diálogo entre os crentes das diversas religiões e entre estes e os não-crentes". A Lei Natural interpela nossa razão e nossa liberdade, porque ela própria é fruto de verdade e de liberdade: a verdade e a liberdade de Deus.
A sociedade necessita de regras harmônicas com a natureza humana, mas também de relações fraternas. Não basta uma interpretação positivista que reduza a justiça à legalidade e, assim, entenda os direitos humanos como resultado exclusivo de medidas legislativas. Bento XVI insistiu nesta mesma ideia, no ato organizado pelo Pontifício Conselho "Justiça e Paz", ao qual nos referimos acima, acentuando: "A Lei Natural, inscrita por Deus na consciência humana, é um denominador comum a todos os homens e a todos os povos, é um guia universal que todos podem conhecer. Sobre essa base, todos podem entender- se". [...]
Acima da política e do "Estado-nação"
Há em nossos dias um processo contínuo e radical de redefinir os direitos humanos em temas muito sensíveis e essenciais, como a família, os direitos da criança e da mulher, etc. Precisamos insistir em que os Direitos Humanos estão "acima" da política e também do "Estado-nação". Eles são verdadeiramente supranacionais. Nenhuma minoria ou maioria política pode mudar os direitos daqueles que são mais vulneráveis em nossa sociedade, ou os direitos inerentes a toda pessoa humana. Como ensina o Concílio Vaticano II, "a verdade não se impõe de outro modo senão pela força da própria verdade".
A proteção jurídica dos direitos humanos deve ser, assim, uma prioridade para cada Estado. Diz Bento XVI: "A justiça é o DIREITOS HUMANOS objeto e, portanto, também a medida de toda política. A política é mais do que uma simples técnica para determinar os regulamentos públicos: sua origem e sua meta estão precisamente na justiça, e esta é de natureza ética".
Recorda-nos assim o Papa que sem respeito à justiça não pode existir uma ordem social ou estatal justa, e não se alcança a justiça sem um prévio respeito aos direitos humanos e à dignidade natural de cada pessoa humana, independentemente da fase da vida na qual ela se encontre.
Direito à vida
A dignidade do ser humano - o tema-chave de toda a doutrina social da Igreja - implica, entre outras coisas, o respeito à vida desde sua concepção até seu termo natural. O cristão deve amar e desejar a vida, como caminho rumo a Deus. Bento XVI, por ocasião da Jornada pela Vida, da Conferência Episcopal Italiana, nos recordava: "A vida, que é obra de Deus, não deve ser negada a ninguém, nem mesmo ao menor e indefeso nascituro, muito menos quando apresenta graves deficiências". Pelo mesmo motivo, "não podemos cair no engano de pensar que se pode dispor da vida, a ponto de legitimar sua interrupção com a eutanásia, talvez dissimulando- a com um véu de piedade humana. Portanto, é preciso defendê-la, protegêla e valorizá-la em seu caráter único e irrepetível".
Família e educação
A família é uma instituição que deve ser amparada pelo Estado. Na maior parte dos tratados e convenções internacionais, reconhece-se o direito da família, de ser protegida pela sociedade e pelo Estado (Declaração Universal, art. 16.3). [...]
A Igreja proclama que a vida familiar fundamenta-se no matrimônio de um homem e uma mulher, unidos por um vínculo indissolúvel, livremente contraído, aberto à vida humana em todas as suas etapas, lugar de encontro entre as gerações e de progresso em sabedoria humana.
Na família - afirmou o Papa, ao comemorar o XX aniversário da Carta Apostólica Mulieris dignitatem -, "a mulher e o homem, graças ao dom da maternidade e da paternidade, desempenham em conjunto um papel insubstituível em relação à vida. Desde sua concepção, os filhos têm o direito de poder contar com o pai e com a mãe, para que cuidem deles e os acompanhem no seu crescimento. O Estado, por sua vez, deve apoiar com políticas sociais adequadas tudo aquilo que promove a estabilidade e a unidade do matrimônio, a dignidade e a responsabilidade dos cônjuges, seu direito e sua tarefa insubstituíveis de educadores dos filhos". Deve-se também tomar medidas legislativas e administrativas que sustenham as famílias em seus direitos inalienáveis, necessários para cumprir sua extraordinária missão. [...]
A família é a verdadeira escola de humanidade e de valores perenes, lugar primordial na educação da pessoa. Neste sentido, note-se que é à família - e mais concretamente, aos pais - a quem compete, por direito natural, a primeira tarefa educativa, e deve-se respeitar seu direito de escolher para seus filhos uma educação de acordo com suas ideias e, especialmente, suas convicções religiosas. [...]
Liberdade religiosa
O indispensável respeito à dignidade humana implica na defesa e promoção dos direitos do homem, e exige o reconhecimento da dimensão religiosa desses direitos. A liberdade religiosa (Declaração, art. 18), como direito primário e inalienável da pessoa, é o sustentáculo das demais liberdades, sua razão de ser. [...]
O Estado democrático não é neutro em relação à liberdade religiosa, mas, assim como no relativo às demais liberdades públicas, deve reconhecê- la e criar as condições para seu pleno e efetivo exercício por parte de todos os cidadãos. E precisamente em virtude desse respeito e aposta positiva pela liberdade religiosa, deve ser, por outro lado, absolutamente neutro em relação a todas as opções particulares que, no uso dessa liberdade, os cidadãos adotem perante a religião. Querer impor - como pretende o laicismo - uma Fé ou uma religiosidade estritamente privada é buscar uma caricatura daquilo que é o fato religioso. E é, decerto, uma ingerência no direito das pessoas, de viver suas convicções religiosas como desejam ou como estas lhes determinam.
"Os direitos humanos estão acima da política e do
Estado-nação. Nenhuma minoria ou maioria política
pode mudá-los"
Bento XVI recordava aos participantes do 56º Congresso Nacional de Juristas Italianos que "não é uma expressão de laicidade, mas sim a sua degeneração em laicismo, a hostilidade a todas as formas de relevância política e cultural da religião, em particular a cada símbolo religioso presente nas instituições públicas".
Tampouco é sinal de sadia laicidade "negar à comunidade cristã e àqueles que legitimamente a representam, o direito de se pronunciar a respeito dos problemas morais que hoje interpelam a consciência de todos os seres humanos, de maneira particular dos legisladores e dos juristas. Efetivamente, não se trata de uma ingerência indevida por parte da Igreja na atividade legislativa, própria e exclusiva do Estado, mas sim da afirmação e da defesa dos grandes valores que dão sentido à vida da pessoa e salvaguardam a sua dignidade. Antes de ser cristãos, estes valores são humanos e, por isso, não podem deixar indiferente e silenciosa a Igreja, que tem o dever de proclamar com firmeza a verdade sobre o homem e o seu destino".7
Trata-se, definitivamente, de demonstrar que, sem Deus, o homem está perdido, que excluir a religião da vida social, sobretudo marginalizar o cristianismo, solapa as próprias bases da convivência humana, pois estas, mais que de ordem social e política, são de ordem moral.
A Igreja mostra-se respeitosa perante a justa autonomia das realidades temporais, mas pede atitude idêntica no referente à sua missão no mundo e às variadas manifestações pessoais e sociais de seus fiéis, artífices, em grande medida, da solidariedade comunitária e de uma ordenada convivência. O Estado não pode reivindicar competências, diretas nem indiretas, sobre as convicções íntimas das pessoas, nem tampouco impor ou impedir a prática pública da religião, sobretudo quando a liberdade religiosa contribui de forma decisiva para a formação de cidadãos autenticamente livres. [...]
O Santo Padre - em seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, ao qual já nos referimos várias vezes - ressaltou: "Os direitos humanos devem incluir o direito de liberdade religiosa, compreendido como expressão de uma dimensão que é ao mesmo tempo individual e comunitária, uma visão que manifesta a unidade da pessoa, mesmo distinguindo claramente entre a dimensão de cidadão e a de crente. [...] É inconcebível, portanto, que os crentes devam suprimir uma parte de si mesmos - sua fé - para serem cidadãos ativos; nunca deveria ser necessário renegar Deus para poder gozar dos próprios direitos".
Respeito e autonomia entre a ordem temporal e a espiritual
A Igreja se felicita ao notar a crescente preocupação do mundo atual pela proteção dos Direitos Humanos, que cabem a cada pessoa por sua própria dignidade natural desde o momento de sua concepção no seio materno até sua morte natural. Por isso é necessário salvaguardar a dignidade da pessoa humana, defendendo uma visão ampla das relações sociais que inclua o diálogo Estado-Igreja, que reforce a colaboração com as instituições civis, para o desenvolvimento integral da pessoa, e o direito à liberdade religiosa, que facilite o livre exercício da missão evangelizadora da Igreja e que afirme o dever da sociedade e do Estado de garantir espaços onde os crentes possam viver e celebrar suas crenças.
Nesse contexto, a Igreja pede para sua missão no mundo, manifestada de várias formas individuais e comunitárias, a mesma atitude de respeito e autonomia que ela demonstra em relação às realidades temporais.
Quanto ao compromisso da Igreja pelos direitos humanos, pode verificarse um mal-entendido: o de conceber a própria Igreja como uma espécie de instituição humanitária. Na verdade, esse compromisso não é um sinal de secularização. Isso foi já bem esclarecido nos discursos pronunciados na ONU por Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, os quais apenas recordei aqui. O compromisso da Igreja pelos direitos humanos tem razões precisas e inerentes à sua própria missão, inscreve-se na solicitude da Igreja pelo homem em sua dimensão integral.
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