ENTÃO, É NATAL!!

ENTÃO, É NATAL!!

25 de dezembro de 2025!


Compreender onde Jesus nasceu e cresceu — no chão concreto da história, sob a ocupação violenta do Estado Romano, entre pobres e oprimidos — não é exercício acadêmico nem provocação ideológica. É fidelidade ao Evangelho.

Jesus não nasce em um mundo abstrato, mas em um lugar geograficamente conhecido, que há dois mil anos se chamava Judéia e que hoje corresponde, em grande parte, à Cisjordânia palestina — uma terra que continua ferida pela opressão de um Estado autoritário. 

Da mesma forma, Jesus não cresce entre palácios, reis e princesas de contos de fadas religiosos, mas em um vilarejo periférico do Império, Nazaré da Galileia, um subúrbio desprezado, distante do centro do poder.

Hoje, essa mesma região está inserida em um contexto político distinto em termos de domínio territorial, mas igualmente marcada por fronteiras, controles, muros e conflitos. 

A antiga Judéia permanece ocupada, e Nazaré, localizada no norte do atual Estado de Israel, segue atravessada por tensões históricas e políticas. O território onde Jesus nasceu e cresceu continua sendo território ferido.

Por isso, Maria, José e o menino Jesus não aprenderam a viver a partir da ótica dos poderosos, mas a partir da experiência cotidiana daqueles que lutam para sobreviver. 

Não é difícil compreender Jesus quando se conhece uma favela de um grande centro urbano ou um povoado esquecido do interior do país. A vida concreta dos pobres cria pontes imediatas com o Evangelho.

É por isso que os pobres compreendem Jesus a partir da lógica do amor, e não do poder. 

E é também por isso que os ricos insistem em deslocar Jesus para um lugar distante: transformam-no em rei dominador, legitimador de privilégios e defensor da prosperidade individual. 

Onde há poder, eles veem Deus; onde há amor, eles não conseguem enxergar valor.

Quando Nossa Senhora proclama o Magnificat, ela não fala de um Deus neutro, distante ou indiferente aos oprimidos. Ela anuncia um Deus que toma partido, que age na história e que rompe a lógica da dominação. Não se trata de ideologia nem de mesquinharia eleitoral, mas de uma vivência concreta ao lado dos oprimidos — e não dos opressores.

Maria proclama um Reino que começa pelos últimos. Isso foi incompreensível para o sistema econômico romano de dois mil anos atrás e continua sendo igualmente insuportável para o sistema capitalista contemporâneo. 

O Magnificat anuncia que sistemas fundados na concentração, na exploração e na desigualdade não subsistem indefinidamente. A história confirma: impérios caem. O capitalismo também cairá.

Esse cântico atravessa os séculos porque a injustiça também atravessa os séculos. Mudam-se os cenários, mudam-se os atores, mas a estrutura da opressão insiste em permanecer. 

E isso não é casual: trata-se de uma estrutura alimentada pelo egoísmo humano — amplamente combatido por Jesus — e que continua exigindo enfrentamento por parte de seus seguidores.

Nada disso é materialismo dialético, nem tentativa de reduzir Deus à história. O cristianismo, quando levado a sério, busca a transcendência sem abandonar o compromisso com a transformação do mundo. O Reino de Deus já existe plenamente no céu, mas é chamado a ser construído aqui na terra.

A maior prova disso está na única oração que o próprio Jesus ensinou:

“Pai nosso, que estás nos céus,

santificado seja o teu nome;

venha o teu Reino;

seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.

O pão nosso de cada dia dá-nos hoje;

perdoa-nos as nossas dívidas,

assim como nós perdoamos aos nossos devedores;

e não nos deixes cair em tentação,

mas livra-nos do mal. Amém.”

Por isso, o Natal não é apenas um feriado do calendário ocidental. Natal é a busca pela estrela que conduz ao Deus-menino que inaugura um Reino onde a vontade de Deus deve ser feita na terra como já é no céu.

Viver o Natal implica compreender que o perdão — material e espiritual — está diretamente ligado à nossa disposição de perdoar. Essa lógica é insuportável para o capitalismo e para suas expressões religiosas mais perversas, como a Teologia da Prosperidade e a Teologia do Domínio. 

Isso não é materialismo histórico: é a essência da prática cristã. Confundir o Evangelho com defesa de privilégios é permanecer em analfabetismo religioso.

Por isso a contradição dói tanto: a terra onde Jesus nasceu sob ocupação romana continua ocupada; e o povo que um dia conheceu o peso do Império hoje reproduz, sobre os palestinos, a mesma lógica que um dia o feriu.

O Magnificat não permite silêncio diante disso. Maria não autoriza justificativas religiosas para a violência nem exceções morais para quem já sofreu. 

A oração de Jesus é clara: “Livrai-nos do mal”. Não apenas do mal que nos fazem, mas também do mal que somos capazes de fazer.

A fé cristã amadurece quando deixa de ser refúgio espiritual autocentrado e se torna critério ético, capaz de incomodar consciências e orientar práticas concretas de justiça. 

Ela amadurece quando abandona a caridade individual que protege privilégios e passa a confrontar as estruturas que produzem pobreza e miséria.

Seguir Jesus não é repetir palavras, mas assumir o risco de viver como Ele viveu: com os pobres, contra a injustiça, sem abrir mão da transcendência nem da realidade. É nesse caminho que o discípulo é convidado a caminhar pela estrada de Emaús.

Ao longo da história, muitos se levantaram contra sistemas injustos. Mas nenhum atravessou o tempo como Jesus de Nazaré, porque nenhum foi tão coerente entre origem, palavra e prática. Ele nasceu pobre, viveu com os pobres e morreu como condenado político. Por isso sua memória não pôde ser sepultada.

O cristianismo não se espalhou pela força das armas, mas pela força do testemunho. Sempre que se afastou dessa coerência, produziu escândalo, violência e negação do Evangelho. Em nome de Jesus cometeram-se atrocidades — e isso nos envergonha.

Mas é também em nome Dele que, todos os dias, homens e mulheres continuam resistindo, cuidando, partilhando e defendendo a dignidade humana.

Jesus nasceu na Palestina.

Cresceu na Galileia.

Viveu sob ocupação.

Anunciou um Reino que não se confunde com impérios — e que, por isso mesmo, confunde os poderosos e é reconhecido pelos pobres.

E continua nascendo toda vez que o Magnificat deixa de ser um canto decorativo e volta a ser o que sempre foi: anúncio de esperança para os pobres e juízo contra todo poder que se levanta contra a vida.

Esse é o escândalo do Natal.

E também a sua maior verdade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RESPOSTA AO BISPO DE NATAL, DOM JOÃO DOS SANTOS CARDOSO ,

O ROUBO DOS JUROS DO BANCO CENTRAL EXPLICADO DA FORMA MAIS SIMPLES POSSÍVEL

VOTO DOS DEPUTADOS FEDERAIS POR ESTADO NO PL DA DEVASTAÇÃO (Sim, Não e Ausentes)