DISCURSO DO PAPA FRANCISCO PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS

Um discurso que, por amplidão e profundidade, tem
o valor de uma pequena encíclica de Doutrina Social. Aliás, era natural que os Movimentos Populares solicitassem este encontro com o Papa Francisco.
Efetivamente, na Argentina, como bispo e depois como cardeal, Bergoglio
sempre se fez próximo das comunidades populares como as de catadores de papel e
camponeses. No fundo, nesta audiência retomou o fio de um compromisso jamais
interrompido. O Santo Padre evidenciou já de início, no discurso, que a
solidariedade – encarnada pelos Movimentos Populares – encontra-se “a enfrentar
os efeitos deletérios do império do dinheiro". O Papa observou que não se
vence "o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que
servem unicamente para transformar os pobres em seres domésticos e inofensivos".
Quem reduz os pobres à "passividade", disse, Jesus "os chamaria
de hipócritas". Em seguida, deteve-se sobre três pontos chave: "Terra,
moradia e trabalho”.

Hoje, observou, vivemos em "cidades imensas que se mostram
modernas, orgulhosas e vaidosas". Cidades que oferecem "numerosos
lugares" para uma minoria feliz e, porém, "negam a casa a milhares de
nossos vizinhos, incluindo as crianças". Com pesar, o Papa ressaltou que "no
mundo globalizado das injustiças proliferam-se os eufemismos para os quais uma
pessoa que sofre a miséria se define simplesmente 'sem morada fixa'". O
Papa denunciou que muitas vezes "por trás de um eufemismo há um delito".
Vivemos em cidades que constroem centros comerciais e abandonam "uma parte
de si às margens, nas periferias". Por outro lado, elogiou aquelas cidades
onde se "segue uma linha de integração urbana", onde "se
favorece o reconhecimento do outro". Em seguida, foi a vez de tratar da
questão do trabalho:
"Não existe – ressaltou – uma pobreza material pior do que a que
não permite ganhar o pão e priva da dignidade do trabalho." Em particular,
o Papa Francisco citou o caso dos jovens desempregados e ressaltou que tal
situação não é inevitável, mas é o resultado "de uma opção social, de um
sistema econômico que coloca os benefícios antes do homem", de uma cultura
que descarta o ser humano como "um bem de consumo". Falando
espontaneamente, ou seja, fora do texto, o Pontífice retomou a Exortação
apostólica "Evangelii Gaudium" para denunciar mais uma vez que as
crianças e os anciãos são descartados. E agora se descartam os jovens, com
milhões de desempregados, disse ainda.
Trata-se de um desemprego juvenil que em alguns países supera 50%,
constatou. Todos, reiterou, têm direito a "uma digna remuneração e à
segurança social". Aqui, disse o Pontífice, encontram-se "catadores de
papel", vendedores ambulantes, mineiros, "camponeses" aos quais
são negados os direitos do trabalho, "aos quais se nega a possibilidade de
sindicalizar-se". Hoje, afirmou,"desejo unir a minha voz à vossa, e
acompanhar-vos na vossa luta". Em seguida, o Papa Francisco ofereceu a sua
reflexão sobre o binômio ecologia-paz, afirmando que são questões que devem
concernir a todos, "não podem ser deixadas somente nas mãos dos políticos".
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João Pedro Stedile representando o MST |
O Santo Padre afirmou mais uma vez que estamos a viver a "III Guerra
Mundial", em pedaços, denunciando que "existem sistemas econômicos
que têm que fazer a guerra para sobreviver": "Quanto sofrimento,
quanta destruição - disse o Papa –, quanta dor! Hoje, o grito da paz se eleva
de todas as partes da terra, em todos os povos, em todo coração e nos
movimentos populares: Nunca mais a guerra!" Um sistema econômico
centralizado no dinheiro – acrescentou – explora a natureza "para
alimentar o ritmo frenético de consumo" e daí derivam feitos destrutivos
como a mudança climática e o desmatamento. O Papa recordou que está preparando
uma Encíclica sobre a ecologia assegurando que as preocupações dos Movimentos
Populares estarão presentes nela. O Pontífice perguntou-se por qual motivo
assistimos a todas essas situações: "Porque – respondeu – neste sistema o
homem foi expulso do centro e foi substituído por outra coisa. Porque se presta
um culto idolátrico ao dinheiro, globalizou-se a indiferença." Porque,
disse ainda, "o mundo esqueceu-se de Deus que é Pai e tornou-se órfão
porque colocou Deus de lado". Em seguida, o Papa exortou os Movimentos
Populares a mudarem este sistema, a "construírem estruturas sociais
alternativas". O Papa Francisco advertiu que é preciso fazê-lo com
coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, porém, sem fanatismo. Com
paixão, mas sem violência". Nós cristãos, disse, temos um bonito programa:
as Bem-aventuranças e o Cap. 25 do Evangelho segundo Mateus. O Papa reiterou a
importância da cultura do encontro para derrotar toda a discriminação e disse
que é preciso uma maior coordenação dos movimentos, sem, porém, criar "estruturas
rígidas": "Os Movimentos Populares – afirmou – expressam a
necessidade urgente de revitalizar as nossas democracias, muitas vezes
sequestradas por inúmeros fatores. “É "impossível", frisou, "imaginar
um futuro para uma sociedade sem a participação protagonista da grande maioria"
das pessoas. É preciso superar "o assistencialismo paternalista" para
ter paz e justiça, prosseguiu, criando "novas formas de participação que
incluam os movimentos populares" e a "sua torrente de energia moral".
O Pontífice concluiu o seu discurso com um premente apelo: "Nenhuma
família sem casa. Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos!
Nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá" – disse. Entre os
participantes, no Vaticano, do encontro dos Movimentos Populares figura também
o presidente da Bolívia, Evo Morales. O director da Sala de Imprensa da Santa
Sé, Pe. Federico Lombardi, explicou que, nesta ocasião, a visita do chefe de
Estado boliviano não foi "organizada mediante os habituais canais
diplomáticos" e que o encontro "privado e informal" no final da
tarde desta terça-feira entre o Papa Francisco e o presidente deve ser
considerado "uma expressão de afeto e proximidade ao povo e à Igreja
boliviana e um apoio à melhoria das relações entre as Autoridades e a Igreja no
país". (RL/BS)
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