CARTA ABERTA EM APOIO A DO MAURÍCIO GROTTO, ARCEBISPO DE BOTUCATU.


Carta de Apoio a Dom Maurício Grotto -Arcebispo Metropolitano de Botucatu


Não deis ouvidos às palavras dos profetas que vos profetizam, eles vos enganam: falam das visões de seu coração, não do que vem da boca do Senhor” (Jr 23,16).


O FATO VERGONHOSO 

A decisão de Dom Maurício Grotto surge em meio a um episódio doloroso e vergonhoso: na cidade de São Manuel (SP), durante uma celebração, um padre que se fez “exorcista” agrediu uma idosa de 62 anos, em nome de uma suposta oração de exorcismo. 

O caso foi parar na polícia, a Arquidiocese prestou assistência à vítima e instaurou processo interno.


Diante disso, o arcebispo, em plena fidelidade à missão da Igreja, enviou uma carta a todo o clero determinando que não sejam mais chamadas “missas de cura e libertação” e proibindo práticas abusivas e espetaculosas que não têm fundamento no Missal Romano nem no Magistério da Igreja. 

Seu gesto, antes que a Extrema direita católica comece a falar sua fake News e sempre, não é perseguição a movimentos, mas cuidado pastoral e zelo litúrgico, para que a fé do povo não seja manipulada nem exposta a escândalos.


A MANIPULAÇÃO TRAVESTIDA DE FÉ

O que deveria ser espaço de encontro com Cristo Ressuscitado, muitas vezes é sequestrado por práticas espetaculosas que dialogam mais com o charlatanismo, do que com a fé católica.

Para tanto, é comum ver nesta prática travestida de grupos de oração, repetições genéricas: “aqui alguém tem depressão e está recebendo a cura..." ou, "aqui alguém tem um parente doente que receberá uma notícia boa…" ou ainda. "aqui alguém passa por dificuldades financeiras…”;


Tais figuras são peritos em falsas revelações: “Deus me mostra que você será curado da raiva de alguém próximo”; bem como 

teatralizações, gritos, quedas forçadas, movimentos hipnóticos apresentados como ação do Espírito Santo;


E ainda pior: A ostentação do Santíssimo Sacramento como se fosse um talismã, levado de um lado a outro para provocar uma cartase coletiva, reduzindo a presença real de Cristo a espetáculo de parque de diversões, ou magia;


Também é comum ouvir promessas imediatistas de prosperidade, curas físicas instantâneas e soluções mágicas para problemas humanos complexos.


ESSA METODOLOGIA É PREDATÓRIA DA FÉ, pois, manipula sentimentos, induz respostas previsíveis, (pois em qualquer lugar que se junte 50, 100 ou 200 pessoas) estatisticamente, haverá sempre doentes, pessoas endividadas, deprimidas e com problemas de relacionamento com parentes e amigos,  esvaziando assim, a força transformadora da liturgia.


O QUE ENSINA A IGREJA


A Igreja não se omite diante dessas práticas. O Catecismo da Igreja Católica (n. 1505) nos recorda que Cristo “não curou todos os doentes”, mas assumiu sobre si o sofrimento, mostrando que a salvação é comunhão com Ele e não mero alívio imediato.


O n. 1510 é ainda mais claro: “Entretanto, a Igreja dos Apóstolos conhece um rito próprio em favor dos enfermos, atestado por São Tiago: «Alguém de vós está doente? Chame os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados» (Ts; 5, 14-15). 

A Tradição reconheceu neste rito um dos sete sacramentos da Igreja (119). 


No número 1508, do Catecismo da Igreja Católica, nos lembra: "O Espírito Santo confere a alguns o carisma especial de poderem curar (116) para manifestar a força da graça do Ressuscitado. Todavia, nem as orações mais fervorosas obtêm sempre a cura de todas as doenças. Assim, São Paulo deve aprender do Senhor que «a minha graça te basta: pois na fraqueza é que a minha força atua plenamente»" (2 Cor 12, 9), contudo adverte:

"Mas nem sequer as orações mais intensas obtêm a cura de todas as doenças. Assim, São Paulo nos ensina que devemos aprender através da bela oração": "Senhor que ‘basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se manifesta plenamente a minha força’ (2Cor 12,9).”


O n. 1507 lembra que “a cura e a libertação são sinais do Reino, mas a sua presença definitiva só se realiza na Páscoa”. Ou seja: toda missa é de cura e libertação, porque nela celebramos a Páscoa de Cristo, e não porque um pregador teatraliza revelações.


O Concílio Vaticano II, na Sacrosanctum Concilium (n. 10), reafirma: “A liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja e a fonte de onde emana toda a sua força”. Reduzir a liturgia a show esvazia sua natureza de sacramento da salvação.


A PROTEÇÃO DA FÉ DO POVO

Dom Maurício apenas recorda uma verdade essencial: a fé do povo precisa ser protegida contra manipulações. Assim como Medellín denunciou a “religião alienante”, e Puebla reafirmou a opção preferencial pelos pobres, hoje é urgente resgatar a fé como caminho de vida e libertação concreta.

O Santíssimo Sacramento não é talismã. Sua exposição é ato de adoração, não de ostentação. A Eucaristia é mistério de fé, não objeto para entretenimento.

UMA INCOERÊNCIA GRAVE

Não deixa de ser uma contradição que setores conservadores da Igreja acusem a Teologia da Libertação de “reduzir a fé à sociologia”, quando, ao mesmo tempo, esses mesmos grupos arrastam a fé para um pentecostalismo radical – emocionalista, teatral e manipulador – que joga suas águas no moinho da extrema direita política.


Mais grave ainda: quando são contrariados em suas pretensões de poder, deixam a Igreja e correm para o neopentecostalismo mercantilizado, transformando o Evangelho em produto e a fé em espetáculo.


Assim, não é a Teologia da Libertação que enfraquece a Igreja. Este fato deriva de uma ação conservadora que troca o Evangelho da vida e da justiça pelo messianismo barato e pelo fundamentalismo de mercado.

MINHA POSIÇÃO, QUE CERTAMENTE É ACOMPANHADA POR MUITOS IRMÃOS E IRMÃS NA FÉ


Sei que setores conservadores e grupos que lucram com a espetacularização da fé atacarão o arcebispo de Botucatu. Mas a Igreja que é fiel a Cristo se reconhece em sua atitude.


Reafirmo, portanto, meu apoio irrestrito a Dom Maurício Grotto:

  • Por defender a dignidade da liturgia
  • Por resguardar a fé simples do povo contra abusos;
  • Por reafirmar que toda missa é sempre cura e libertação, porque é encontro com Cristo vivo, não se pode separar aquilo que é uno como se tal fato fosse propriedade de um ou outro setor da Igreja Católica 


Sua voz profética ecoa as palavras de Santo Agostinho: “Não se deve procurar milagres para crer, mas crer para que se entendam os verdadeiros milagres.”


Por fim, caro amigo e pastor Dom Maurício, o senhor não está só. Seu gesto é sinal de coragem, fidelidade e amor à Igreja. Ao defender a fé contra o messianismo barato e o espetáculo vazio, o senhor defende também a vida e a esperança do povo de Deus.


Em comunhão e gratidão,


Toninho Kalunga, leigo católico e membro da Fraternidade leiga Charles de Foucauld, e participante da paróquia Santo Antônio na Granja Viana em Cotia, na comunidade do Santuário São Luiz Orione.

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