A DIFICULDADE DA CLASSE MÉDIA PROGRESSISTA EM LER O SENTIMENTO POPULAR SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA E AS CONSEQUÊNCIAS PARA 2026


Muitas vezes, nós da classe média progressista insistimos em acreditar que compreendemos o que o povo sente, porque raciocinamos com nossos referenciais, nossa bolha, nosso repertório cultural e político. Imaginamos que nossa sensibilidade social é a medida do sentimento popular e, com isso, cometemos equívocos sérios de leitura do Brasil real.


O massacre do Rio de Janeiro escancarou esta crise de percepção. Enquanto a militância democrática e setores intelectuais reagiram com justa indignação moral e defesa incondicional dos direitos humanos, pesquisas de opinião demonstraram um sentimento mais complexo e, em grande parte, ambíguo no povo. Parte expressiva da população, especialmente nas periferias, vivencia o medo diário, a presença concreta da violência armada e um Estado historicamente ausente. Não raro, o desespero e a falta de alternativas geram apoio a ações violentas que prometem restabelecer ordem, mesmo que à custa de vidas inocentes.


Não significa que o povo seja punitivista por essência. Significa que o povo está cansado de promessas vazias, cansado de morrer, cansado de ver seus filhos recrutados pelo crime, cansado de viver sob o monopólio da violência, seja estatal ou paralela. Sofre o abandono histórico que vai desde a ausência de políticas de educação, saúde e moradia, até o silêncio cúmplice diante das milícias e do tráfico.


Este divórcio entre a experiência concreta do povo e o imaginário político da classe média progressista se aprofunda porque muitos de nós já não habitamos as periferias que moldaram nossa consciência e nossa militância. Os condomínios, os muros, a distância social nos feriram espiritualmente e politicamente. Perdemos a escuta profunda do território, o cheiro da rua, o barulho da feira, a convivência com o sofrimento cotidiano. Quando nos afastamos, enfraquecemos nossa capacidade de sentir o pulsar do povo.


Na fé também nos distanciamos. Saímos das Comunidades Eclesiais de Base e, ao invés de fortalecer a espiritualidade libertadora do povo, ficamos espremidos entre um tradicionalismo clerical que se distancia das periferias e uma onda neopentecostal carismática que capturou o afeto religioso popular, muitas vezes instrumentalizando-o para projetos autoritários. Falhamos na disputa pela devoção do povo, porque nos afastamos da vida do povo.


Este afastamento tem consequência eleitoral objetiva. Sem compreender a dor, o medo e as contradições do povo, acreditamos que nossos discursos morais ou jurídicos são suficientes para convencer. Esquecemos que o povo não vota apenas por ideias. Vota por sobrevivência, proteção, dignidade, pertencimento e afeto. Quem oferece respostas simplificadas, mesmo perigosas, encontra terreno fértil onde o desespero prevalece.


Se a esquerda deseja vencer em 2026 e reconstruir o Brasil a partir dos pobres, precisa retornar ao povo. Voltar às periferias, às vilas, às ocupações, aos barracos, às igrejas, às cozinhas comunitárias, às associações de bairro. Precisa retomar a mística das CEBs, a pedagogia da escuta, a teologia encarnada na vida. Não basta denunciar a barbárie policial. É necessário apresentar alternativas concretas de segurança cidadã, justiça social, presença do Estado, cultura, esporte, emprego, urbanização, saúde mental e espiritualidade libertadora.


O povo quer paz e dignidade. Nós também. Só reencontraremos este caminho caminhando juntos, novamente lado a lado com quem sofre, luta e sonha. É hora de romper os muros materiais e simbólicos que nos separam. É hora de voltar ao chão da vida, porque é lá que pulsa a esperança verdadeira.

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