domingo, 2 de junho de 2013

PAPA FRANCISCO E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Posted by toninhokalunga On domingo, junho 02, 2013 Comentários

Leonardo Boff

Muitos se têm perguntado se pelo fato de o atual papa Francisco provir da América Latina será um adepto da teologia da libertação. Esta questão é  irrelevante. O importante não é ser da teologia da libertação mas da libertação dos oprimidos, dos  pobres e injustiçados. E isso ele o é, com indubitável claridade.
Este, na verdade, sempre foi o propósito da teologia da libertação. Primeiramente, vem a libertação concreta da fome, da miséria, da degradação moral e da ruptura com Deus. Esta realidade pertence aos bens do Reino de Deus e estava nos propósitos de Jesus. Depois, em segundo lugar, vem a reflexão sobre este dado real: em que medida aí se realiza antecipadamente o Reino de Deus e de que forma o cristianismo, com o capital espiritual herdado de Jesus, pode colaborar, junto com outros grupos humanitários, nesta libertação necessária.
Esta reflexão posterior, chamada de teologia, pode existir ou não. O  decisivo é que o fato da libertação real ocorra.  Mas sempre haverá espíritos atentos que ouvirão o grito do oprimido e da Terra devastada e que se perguntarão: com aquilo que aprendemos de Jesus, dos Apóstolos e da doutrina cristã de tantos séculos, como podemos dar a nossa contribuição ao processo de libertação? Foi o que realizou toda uma geração de cristãos, de cardeais a leigos e a leigas a partir dos anos 60 do século passado. Continua até os dias de hoje, pois os pobres não cessam de crescer, e seu grito já se transformou num clamor.
Ora, o papa Francisco fez esta opção pelos pobres, viveu e vive pobremente em solidariedade a eles, e o disse claramente numa de suas primeiras intervenções: ”Como gostaria de uma Igreja pobre para os pobres!”. Neste sentido, o papa Francisco está realizando a intuição primordial da Teologia da Libertação e secundando sua marca registrada: a opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e a favor da vida e da justiça. 
Esta opção não é para ele apenas discurso mas opção de vida e de espiritualidade. Por causa dos pobres, tem se indisposto com a presidente Cristina Kirchner, pois cobrou de seu governo mais empenho politico para a superação dos problemas sociais que, analiticamete, se chamam desigualdades, eticamente, representam injustiças e teologicamente  constituem um pecado social que afeta diretamente ao Deus vivo, que biblicamente mostrou estar sempre do lado dos que menos vida têm e são injustiçados.  
Em 1990 havia na Argentina 4% de pobres. Hoje, dada a voracidade do  capital nacional e internacional, se elevam a 30%. Estes não são apenas números. Para uma pessoa sensível e espiritual como o papa Francisco, tal fato representa uma via-sacra de sofrimentos, lágrimas de crianças famintas e desespero de pais desempregados. Isso faz-me lembrar uma frase de Dostoiewski: ”Todo o progresso do mundo não vale o choro de uma criança faminta”. 
Esta pobreza — tem insistido com firmeza o papa Francisco  — não se supera pela filantropia mas por políticas públicas para que devolvam dignidade aos oprimidos, e os torne cidadãos autônomos e participativos. 
Não importa que o papa Francisco não use a expressão “teologia da libertação”. O importante mesmo é que ele fala e age na forma de libertação. 
É até bom que o papa não se filie a nenhum tipo de teologia,  como a da libertação ou de qualquer outra. Seus dois antecessores assumiram certo tipo de  teologia que estava em suas cabeças e se apresentava como expressões do magistério papal. Em nome disso se fizeram condenações de não poucos teólogos e teólogas.
Sabem os historiadores que a categoria “magistério” atribuída aos papas é uma criação recente. Começou a ser empregada pelos papas Gregório XVI (1765-1846) e por Pio X (1835-1914) e se fez comum com Pio XII (1876-1958).  Antes, “magistério” era  constituído pelos doutores em teologia, não pelos bispos e pelo papa. Estes são mestres da fé. Os teólogos são mestres da inteligência da fé. Portanto, aos bispos e papas não cabia fazer teologia: mas testemunhar oficialmente e garantir zelosamente a fé cristã. Aos teólogos e teólogas cabia e cabe aprofundar este testemunho com os instrumentos intelectuais oferecidos pela cultura em presença. Quando papas se põem a fazer teologia, como ocorreu recentemente, não se sabe se falam como papas ou como teólogos. Cria-se grande confusão na Igreja; perde-se a liberdade de investigação e o diálogo com os vários saberes. 
Graças a Deus que o papa Francisco explicitamente se apresenta como pastor e não como doutor e teólogo, mesmo que fosse da libertação. Assim é mais livre para falar a partir do evangelho, de sua inteligência emocional e espiritual, com o coração aberto e sensível, em sintonia com o mundo hoje planetizado. Papa Francisco: coloque a teologia em tom menor para que a libertação ressoe em tom maior: consolação para os oprimidos e apelo às consciências dos poderosos. Portanto, menos teologia e mais libertação. 
* Leonardo Boff é autor de 'Teologia do cativeiro e da libertação' (Vozes, 2013). -lboff@leonardoboff.com

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