quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O DIA EM QUE O TSE EXPLODIU A LEI DE COMBATE A CORRUPÇÃO ELEITORAL!

Posted by toninhokalunga On quarta-feira, fevereiro 06, 2008 Comentários

"O voto não é uma mercadoria exposta à venda ou à troca, mas uma premiação que deve ser conquistada após justa disputa, pelas idéias e pela história de cada competidor"
"Pedro Henrique Távora Niess"

Abaixo segue a ata da sessão do Tribunal Superior Eleitoral do dia 2.10.2004, onde este nefasto governo retomou o direito em disputar as eleições.
Nela as Vossas Excelências "explodem" nas palavras de um dos ministros, o Art.77 da Lei 9504/97.
Esta lei foi uma das primeiras leis DE INICIATIVA POPULAR DO BRASIL, onde a Igreja Católica, junto com vários movimentos sociais, coletaram milhões de assinaturas para que o Congresso Nacional aprovasse esta Lei de combate a corrupção eleitoral no Brasil e que ainda hoje é fonte de luz, para os que acreditam na Justiça!
Pena que os ministros não assumiram a postura daqueles que acreditam nesta justiça!
Eles ganharam, eu novamente estou sendo ameaçado de morte. Talvez este seja o "custo" de decisões como esta!


RECURSO ESPECIAL ELEITORAL NO 24.108*

Cotia – SP



Relator: Ministro Caputo Bastos.

Recorrentes: Joaquim Horácio Pedroso Neto e outra.

Advogados: Dr. Antonio Tito Costa e outros.

Recorrido: Santo dos Reis Siqueira.

Advogados: Dr. Ademir de Freitas Pereira e outros.



Recurso especial. Registro. Candidato. Participação. Ato público. Sorteio. Habitação popular. Construção. Presença. Governador. Estado. Alegação. Aplicação. Art. 77 da Lei no 9.504/97. Argüição. Inelegibilidade. Equiparação. Inauguração. Obra. Improcedência. Configuração. Obra. Realização. Estado. Não-ocorrência. Favorecimento. Candidato. Prestígio. Governador.

1. A ratio do art. 77 da Lei no 9.504/97 é impedir o uso da máquina em favor de candidatura e reprimir o abuso do poder político em detrimento da moralidade do pleito.

2. Não vislumbro na realização de um sorteio de casas populares, no qual constava a presença do governador do estado, por tratar-se de obra estadual, circunstância capaz de conferir prestígio aos candidatos a cargos de prefeito e de vice-prefeito do município onde realizado o sorteio, por não se revestir de potencialidade capaz de influir no resultado das eleições.

3. Além do mais, inconcebível a equiparação entre um evento que visa a um determinado sorteio e um que trate especificamente de inauguração, para que se impinja a inelegibilidade decorrente da conduta substanciada no art. 77 da Lei das Eleições.

4. Recurso provido.



Vistos, etc.

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, vencidos os Ministros Carlos Velloso e ­Francisco Peçanha Martins, nos termos das notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante desta decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Superior Eleitoral.

Brasília, 2 de outubro de 2004.



Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, presidente – Ministro CAPUTO ­BASTOS, relator.

__________

Publicado em sessão em 2.10.2004.



RELATÓRIO



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS: Senhor Presidente, adoto, como relatório, os itens 1 a 3, do parecer da ilustrada Procuradoria-Geral Eleitoral:



“1. Trata-se de recurso especial interposto por Joaquim Horácio Pedroso Neto e Lúcia Torrezani (fls. 309-316) de acórdão proferido, por maioria, pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (fls. 270-286), que manteve a cassação do registro da candidatura dos ora recorrentes aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Cotia (SP).

2. Assentou o aresto recorrido que os recorrentes teriam participado de inauguração de obra pública dentro do período vedado pelo art. 77 da Lei no 9.5004/97, em evento de sorteio de casas à população de baixa renda.

3. Sustentam os recorrentes que ‘o ato público de sorteio de moradias populares, presidido pelo governador do estado, não caracteriza, de forma nenhuma, “inauguração de obra pública’” (fl. 310), inconformando-se com o indeferimento de produção de prova, com o rito adotado na ­representação”.



É o relatório.



QUESTÃO DE ORDEM



O DOUTOR ADEMIR DE FREITAS PEREIRA (advogado): Senhor Presidente, colenda Corte, douta Procuradoria, uma questão de ordem. Nestes autos há uma fita que pretendo divulgar.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Ele quer mostrar um vídeo. Eu dispenso.



O SENHOR MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS: Senhor Presidente, se estivéssemos discutindo propaganda, ainda faria sentido. Fizemos, aliás, isso na última eleição. Mas aqui não se trata de propaganda.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Partimos da versão fática do acórdão. Não estamos em recurso ordinário.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Lerei todo o acórdão. Se o Tribunal, após a leitura do acórdão e do voto, decidir que vale a pena, obviamente...



O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (presidente): Sim, para verificar o acórdão. Mas isso o Tribunal decidirá sob diligência.



PARECER



O DOUTOR ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS (vice-procurador-geral eleitoral): Senhor Presidente, mais um caso do art. 77 da Lei no 9.504/97, que, como disse numa oportunidade anterior, virou a norma maldita desta eleição. Todas as baterias se voltam contra este dispositivo.

No caso dos autos, é incontroverso – e até as próprias razões recursais admitem isso – o fato de que os recorrentes, já ocupantes dos cargos de prefeito e vice-prefeito e candidatos à reeleição, compareceram à solenidade pública de sorteio de unidades habitacionais voltadas para população de baixa renda, em evento dirigido pelo governador do estado.

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, examinando as circunstâncias do fato, as circunstâncias do evento, entendeu caracterizada a inauguração.

Aqui, o primeiro ponto. Tal como assentou este colendo Tribunal, por maioria, no recente caso de Assis, inclusive com manifestação no mesmo sentido da Procuradoria-Geral Eleitoral, rever este aspecto implicará necessariamente o revolvimento, o reexame, da matéria de prova.

Repito: examinando as circunstâncias do caso, concluiu a Corte Regional, majoritariamente, que o evento em causa constituiu, sim, uma inauguração.

Parece à Procuradoria-Geral Eleitoral acertado o indeferimento nesta assentada da exibição da fita de vídeo. Por quê? Porque estamos em recurso especial e, realmente, não compete a este Tribunal reexaminar a prova dos autos. Não compete a este Tribunal assistir à fita para concluir, tal como a Corte Regional, haver uma inauguração ou para inverter a conclusão do TRE e afirmar que aquele evento, ao contrário, não consubstanciava uma inauguração.

A hipótese é claramente de reexame da prova e não de qualificação jurídica do fato, de valoração da prova.

Caso, porém, entenda diversamente o Tribunal, o que se admite apenas para argumentar, caberá – equivocadamente, insisto – reexaminar em que consistiu o propalado evento.

O eminente advogado dos recorrentes, da tribuna, destacou que era um sorteio de unidades habitacionais dirigidas à população de baixa renda e estariam presentes, se não estou enganado, cerca de 5 mil pessoas, das quais apenas 500 acabaram sorteadas com um daqueles imóveis.

Ato presidido pelo governador do estado, que, a julgar pelos processos que têm chegado a este Tribunal, esmera-se em promover inaugurações no período eleitoral, com a presença dos candidatos de seu partido.

Em primeiro lugar, não parece ao Ministério Público Eleitoral possa haver dúvida quanto à natureza de obra pública desse conjunto habitacional. Obra pública não é apenas avenida, praça ou obra de saneamento. A obra foi realizada pelo poder público, por meio de uma entidade da administração descentralizada do Estado de São Paulo. Tanto é assim que o sorteio mereceu a presença do governador do estado.

As pessoas naquela ocasião contempladas com as unidades habitacionais passaram a saber que em dezembro – parece-me – receberiam essas unidades devidamente concluídas. Foi, portanto, momento de grande importância para aquelas pessoas ali presentes, praticamente todas ostentando bonés e outros adereços relacionados à campanha dos recorrentes.

No momento em que realizavam os sorteados o sonho da casa própria, era inevitável a associação do benefício com a imagem dos recorrentes ali presentes, vistos como aqueles que conseguiram do governo do estado a realização daquela obra no município.

É certo, como destacou o ilustre advogado, que o sorteio deixou entre os presentes 4.500 pessoas frustradas. Entretanto, deixou-as também com a esperança de que, continuando os recorrentes no poder, novos conjuntos habitacionais seriam entregues à população.

Por tudo isso, parece que, neste caso, não há como fugir da aplicação do art. 77 da Lei no 9.504/97.

Lembro aqui, para encerrar, Senhor Presidente, uma pessoa muito querida de V. Exa., em caso absolutamente distinto. Veio-me à lembrança o eminente Ministro Evandro Lins e Silva, que, nos idos dos anos 70, advogado em rumoroso caso envolvendo homicídio na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro – em Búzios, mais precisamente –, sustentando habeas corpus numa das câmaras criminais do Tribunal de Justiça do Rio, invocava a Lei Fleury, uma lei maldita, e dizia: “Eminentes julgadores, eu posso não gostar da lei, V. Exas. podem não gostar da lei, mas a lei existe e precisa ser cumprida”.

Segundo o Ministro Evandro Lins e Silva, a lei poderia ser tenebrosa, poderia ter sido criada para proteger figura reconhecidamente tenebrosa, mas existia e precisava ser aplicada.

Da mesma forma, o art. 77 da Lei no 9.504/97 existe, eminentes ministros, e precisa ser aplicado, não sendo admissível, data venia, colocar tamanhas condicionantes que o tornem dispositivo de ficção ou erigir incontáveis circunstâncias como impeditivas da sua aplicação.

Com estas considerações, o Ministério Público Eleitoral reafirma seu pronunciamento pelo desprovimento do recurso.



VOTO



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Senhor Presidente, antes de examinar as questões postas no recurso especial e nas contra-razões, entendo adequado fazer uma síntese dos votos que compõem o v. acórdão recorrido, particularmente no que se refere à parte de mérito da controvérsia.

No que interessa, colho no voto condutor à fl. 273 dos autos:



“No caso em exame, é incontroverso que, no dia 17 de julho de 2004, realizou-se, em frente ao Paço Municipal de Cotia, evento destinado ao sorteio de 224 apartamentos construídos pelo CDHU – ou seja, destinados a famílias de baixa renda –, contando com a presença do governador Geraldo Alckmin, que presidiu o sorteio, e dos recorrentes”.



Daí afirmar o ilustre relator que



“Percebe-se, pois, que o cerne da discussão reside na qualificação do evento descrito como ‘inauguração de obra pública’” (fl. 273). (Grifo ­nosso.)



Após buscar o conceito de obra pública na Lei de Licitações, o ilustre relator busca no Dicionário Houaiss a definição de inauguração. E, com base na primeira acepção do termo: “cerimônia por meio da qual se entrega ao público uma nova obra”, concluiu ser a descrição indicada “aquela que guarda pertinência com o assunto abordado”.

Além disso, o ilustre relator consigna o seguinte:



“Desse modo, ao contrário do que ocorre nas obras públicas que revertem em proveito geral, não é a celebração pelo término da obra o ponto culminante desta, no qual o administrador dela extrai proveito eleitoral, mas sim o ato de sorteio, ao qual se destina a maior publicidade e necessariamente todos comparecem e tomam contato com o benefício que ela resulta” (fl. 274). (Grifo nosso.)



E prossegue:



“Em suma, enquanto nas obras destinadas ao uso da coletividade, a finalização e entrega desta é ato principal, nas obras que passam ao domínio particular, o ato equivalente à inauguração é justamente o sorteio, na medida em que, após a realização deste, a obra passa a ser de interesse apenas dos contemplados, e não proporciona projeção ao administrador.

Nessa linha de raciocínio, e lembrando-se que a finalidade da vedação ao comparecimento de candidatos à inauguração de obras públicas é justamente a de obstar o presumido desequilíbrio entre os concorrentes do pleito, é evidente que o momento no qual se proíbe a presença do administrador que concorre à reeleição é o do sorteio de casas ou apartamentos populares, por se tratar do evento de maior projeção política ao candidato” (fl. 275). (Grifo nosso.)



Registra, ainda, que,



“(...) embora os recorrentes não tenham discursado na ocasião, circularam entre os presentes em posição típica de quem realiza ato de propaganda eleitoral, conversando e cumprimentando os populares, os quais, curiosamente, portavam bonés novos contendo propaganda da candidatura dos recorrentes (...)” (fl. 275).



E conclui o ilustre magistrado



“(...) que os recorrentes, ao comparecerem ao sorteio de apartamentos populares do CDHU [órgão do Governo do Estado de São Paulo] realizado em frente ao Paço Municipal de Cotia, incorreram na proibição contida no art. 77 da Lei no 9.504/97”.



O voto convergente de fls. 277-278 não entrou na questão de mérito, ­restringindo-se a afirmar que “não cabe invocar a aplicação da teoria da tipicidade” na interpretação do art. 77 em comento. Disse, ainda, que “(...) a referida norma há de ser interpretada de acordo com o seu sentido teleológico ou finalístico e não meramente literal” (fl. 278), que não há falar em inconstitucionalidade do dispositivo e que o rito adotado era o aplicável na forma do art. 96 da Lei das Eleições.

O voto divergente, fls. 280-286, principia afirmando que a questão está ligada à interpretação e aplicação da norma do art. 77, e que “A doutrina, de maneira uníssona, aponta o caráter moralizador da norma, que visa impedir o uso da máquina pública para captar votos”.

E prossegue à fl. 282: “Uma das riquezas maiores do Direito é o trabalho de lapidação da inteligência da norma no confronto com o fato bruto, tal qual se apresenta ao julgador”. (Grifo nosso.)

Daí registra que o TRE de São Paulo,



“Sempre que (...) se deparou com flagrante inauguração de obra pública, apta a beneficiar candidato, não hesitou em aplicar a grave pena da cassação de registro”.



Cita, no particular, diversas decisões.

Ressalta, porém, que aquela Corte tem afastado “a incidência da norma nas hipóteses em que não se trata de ‘inauguração de obra pública’ em sentido próprio” (fl. 282). Cita, ainda, decisão do TSE com o seguinte trecho (fl. 283): “O candidato a cargo do Poder Executivo que visita obra já inaugurada não ofende a proibição contida no art. 77 (RRP no 56, 12.9.98)”.

Após afirmar que “Tratando-se de norma restritiva de direito, que retira a prerrogativa constitucional à elegibilidade, não se lhe poderia dar interpretação ampliativa” (fl. 283), prossegue o voto divergente assinalando que o TRE/SP já entendeu: “(...) que cerimônia de casamento comunitário não se enquadra na proibição (...)”; “(...) comparecimento à inauguração de obra na Santa Casa de Misericórdia de Marília, mesmo sendo entidade subvencionada pelo poder público, não se subsume à vedação (...)”.

Reproduz, ainda, ementa e voto do eminente Ministro Professor Walter Costa Porto, no REspe no 16.040, cujo teor está à fl. 284.

Após consignar a hipótese dos autos valendo-se das palavras do relator (fl. 285) – “(...) no dia 17 de julho de 2004, realizou-se em frente ao Paço Municipal de Cotia, evento destinado ao sorteio de 224 apartamentos construídos pelo CDHU (...) contando com a presença do governador Geraldo Alckmin, que presidiu o sorteio (...)” –, o voto divergente concluiu à fl. 286:



“Talvez o evento tenha repercussão maior do que uma inauguração de obra pública. A meu ver, entretanto, o fato não se subsume à norma. Para equipará-lo a uma ‘inauguração de obra pública’, para atingir o objetivo daquela norma, a meu ver se faz necessária a criação de outra norma, para ampliar aquela.

Admito que o legislador pudesse fazê-lo. Não o julgador, a quem é vedada interpretação ampliativa para aplicação de tão grave punição, como acima exposto”. (Grifo nosso.)



Opostos embargos de declaração, objetivou-se ver declarado no acórdão que a certidão de fl. 133 consignou que a efetiva inauguração das moradias sorteadas naquele ato só “se dará no mês de outubro do corrente ano”, bem como que as obras distam 4.500 metros da praça onde se realizou o sorteio (fls. 290-291).

Contra-arrazoados os embargos, foram eles rejeitados, ao fundamento de que a certidão do CDHU “(...) foi objeto da devida valoração no caso concreto, ­ressaltando-se que em momento algum afirma-se que a obra já houvesse sido concluída” (fl. 305). (Grifo nosso.)

Sr. Presidente, fiz, ou melhor, adotei o curto relatório da douta Procuradoria, que bem sintetiza a controvérsia, mas fiz questão de destacar, nas considerações iniciais do meu voto, a reprodução de trechos do voto condutor do v. acórdão recorrido, bem como do voto divergente, a fim de possibilitar a melhor compreensão das teses jurídicas debatidas no caso sob apreciação desta egrégia Corte.

Inicialmente, gostaria de registrar que esta Corte, ao examinar a alegação de ofensa ao art. 77, no RCEd no 608/AL, de que foi relator o eminente Ministro Barros Monteiro, decidiu:



“(...) julgando hipótese assemelhada a esta, em que candidatos participaram de cerimônia pública para a entrega de casas populares, [que] teve-os como exercendo regularmente as funções inerentes ao seu cargo, assentando não se cuidar no caso do abuso de poder político”.



O eminente relator, na oportunidade, fez referência ao REspe no 15.215/SP, de que foi relator o não menos eminente Ministro Eduardo Alckmin.

Naquela oportunidade, em voto convergente, disse eu:



“(...) os fatos que importem, em tese, na configuração das chamadas condutas vedadas podem, também, ser objeto do recurso contra expedição de diploma na perspectiva da capitulação do abuso do poder político ou de autoridade, observados o rito próprio e os termos legais”.



E mais, embora já cuidando do tema em face do art. 74 – que também cuida das chamadas condutas vedadas – e do § 1o do art. 37 da Constituição, concluí:



“(...) o próprio dispositivo em comento remete o aplicador ao tipo – abuso de autoridade – descrito no art. 22 da Lei Complementar no 64/90”.



Finalizei afirmando:



“(...) examinado o fato – inauguração da Governadoria do Agreste – em face do conceito de abuso de autoridade, entendo que, mesmo admitida em tese sua ilicitude perante a lei, não lhe reconheço potencial suficiente para cassar o diploma do recorrido”.



E prossegui, Sr. Presidente:



“No particular, filio-me à corrente sustentada a partir do voto do eminente Ministro Eduardo Ribeiro na Representação no 25, quando se firmou o entendimento de que ‘Não se caracteriza abuso, eleitoralmente relevante, se o fato carece de potencialidade de influir no resultado do pleito’.

Posteriormente, ao examinar o mesmo tema no Recurso Ordinário no 390, o eminente Ministro Eduardo Ribeiro, ao transcrever voto de sua autoria, consignou:



‘Em tema de abuso de poder econômico ou político, e sua repercussão em matéria eleitoral, creio que algumas distinções hão de ser feitas.

(...) Não se cuida de punir o favorecido pelo abuso, mas de resguardar a legitimidade da escolha popular. (...)’



No prosseguimento de seu respeitável voto, o eminente Ministro Eduardo Ribeiro registrou:



‘(...)

Admite-se, entretanto, no estágio atual da evolução da jurisprudência da Corte, seja requerido tenham as práticas abusivas potencialidade de influir no resultado das eleições.

(...).’”



Anteontem, na sessão de 30 de setembro, esta Corte enfrentou, novamente, a questão de violação do art. 77. E do debate havido no julgamento do REspe no 24.122, entre V. Exa., Sr. Presidente, e o Sr. Ministro Carlos Velloso, as notas taquigráficas registraram o seguinte:



“O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (presidente): Não estamos identificando o art. 77 da Lei no 9.504/97 com abuso do poder político?

V. Exa está pondo como pressuposto do art. 77 o abuso, uso de ­máquina.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Mas eu penso que sim.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Eu também.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Tudo tem uma razão de ser, tem uma finalidade. Tudo tem uma razão de ser, há de ter uma finalidade.

De modo, Senhor Presidente, a inauguração foi realizada fora da circunscrição do município; a obra não é municipal, é estadual; compareceu, sim, porém assistiu apenas à inauguração – é o que consta do acórdão; não foi ao palanque.

Penso que o possível proveito que terá tirado o tiraria comparecendo ou não, nessas circunstâncias, apenas assistindo à inauguração.

Se o presidente da República inaugura uma obra num município onde um candidato é do seu partido, é lógico que ele tira proveito. Mas pode ser responsabilizado por isso? Não.

Imaginemos que o Presidente Lula tivesse inaugurado uma obra federal em São Paulo: o candidato do PT tiraria proveito? Sim. Mesmo não estando lá. E, no caso, penso que, se algum proveito possa tirar o candidato, o tiraria sem estar presente ou só porque o governador de quem é correligionário inaugurou uma obra que beneficia os administrados, o que é muito bom para os administrados e para a região. Não podemos encarar isso com fetichismos.

Portanto, Senhor Presidente, com estas breves considerações, adiro ao voto do Sr. Ministro Caputo Bastos.


O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (presidente): Breves e bombásticas. V. Exa. acaba de dinamitar o art. 77 da Lei no 9.504/97, com esta mistura do artigo com abuso do poder da máquina...



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Não precisaria nem existir, se interpretarmos com rigor aquilo que diz respeito ao abuso do poder político e econômico.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Parece-me ser este o objetivo da norma: evitar o uso da máquina administrativa.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Penso que, no caso, não houve a utilização da máquina administrativa.”



Daí seguiu-se o voto do Sr. Ministro Gilmar Mendes, do qual colho o seguinte trecho pela precisa observação:



“Mas, entendo que, se o objetivo, de fato, devesse ser o de tirar proveito de obras públicas, talvez o art. 77 devesse ter um outro tipo de redação e impedir já as inaugurações. Talvez, com isso, chegasse a um resultado, uma vez que, realizada a inauguração, o proveito político virá, com ou sem presença do candidato. E nós já vimos que é muito fácil contornar isso com visita a obras, por exemplo. Há uma série de simulações e teria de haver uma série de providências neste contexto, especialmente quando não se cuida de atividade ligada ou envolvida com o próprio candidato, como é o caso aqui referido.

(...)

Portanto, eu faria – como foi feito a partir do voto do eminente Ministro Caputo Bastos – uma redução teleológica, para entender que não há essa abrangência para o art. 77 da Lei no 9.504/97. É preciso que, de fato, haja uma desequiparação efetiva e, no contexto que se colocou tal situação não se verificou”.



Senhor Presidente, no caso dos autos, a hipótese é ainda mais emblemática no que se refere à equivocada aplicação do art. 77 da Lei no 9.504/97: é que o acórdão recorrido, expressamente, enfatiza ao apreciar os embargos de declaração: “ressaltando-se que em momento algum afirma-se que a obra já houvesse sido concluída” (fl. 305).

Temos, então, as seguintes premissas fáticas para apreciar a aplicação, in casu, do art. 77: (a) trata-se de evento correspondente a um sorteio de casas populares; (b) a obra objeto do sorteio não está concluída; (c) a obra é estadual – CDHU é órgão do governo do estado; (d) a cerimônia foi conduzida pelo Senhor Governador de Estado; (e) os recorrentes (candidatos) não discursaram na ocasião, embora tenham circulado entre os presentes.

Ainda que afastada, para argumentar, a circunstância inarredável – reconhecida pelo v. acórdão recorrido – de que a obra objeto do sorteio não está concluída, é de ver-se que no caso dos autos, à semelhança do que já decidiu esta Corte nos casos de Campinas (relator Ministro Peçanha Martins), de Cerquilho (relator Ministro Humberto Gomes de Barros) e de Tatuí (de minha relatoria), o Tribunal reiterou o que havia decidido no caso do Senhor Governador Ronaldo Lessa ­(relator Ministro Barros Monteiro).

Demais disso, consoante tem reiteradamente insistido o eminente Ministro Carlos Velloso, a ratio do art. 77 é impedir o uso da máquina em favor de candidatura e reprimir o abuso do poder político em detrimento da moralidade do pleito. Não só concordo, como subscrevo integralmente a contundente conclusão.

Portanto, forçoso convir que a hipótese vertente não se enquadra – como percucientemente afirmado no voto divergente proferido no regional – no campo de aplicação do art. 77, sendo, mesmo, desnecessária a eventual reflexão – ao menos no caso dos autos – cuidarem as hipóteses descritas nas chamadas condutas vedadas serem ou não numerus clausus, ou, ainda, como afirma o Senhor Ministro Gilmar Mendes, de que o art. 77 devesse ter um outro tipo de redação.

Para solução da presente demanda, a meu sentir, basta o fato revelado no v. acórdão recorrido de que não se tratava de “inauguração de obra”, mas de “sorteio”, embora os votos vencedores tenham concluído por equiparar a hipótese “sorteio” a “inauguração de obra”, para fins de aplicação do multicitado art. 77 da Lei no 9.504/97.

Com essas considerações, Sr. Presidente, conheço do recurso e lhe dou provimento para restabelecer o registro dos recorrentes, candidatos ao pleito majoritário do Município de Cotia/SP.

É como voto.



VOTO (VENCIDO)



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Senhor Presidente, esta é a versão fática do acórdão:



“No caso em exame, é incontroverso que, no dia 17 de julho de 2004, realizou-se, em frente ao Paço Municipal de Cotia [quer dizer, na cidade, defronte da Prefeitura], evento destinado ao sorteio de 224 apartamentos construídos pelo CDHU – ou seja, destinados a famílias de baixa renda –, contando com a presença do governador Geraldo Alckmin, que presidiu o sorteio, e dos recorrentes”.



É induvidoso que o candidato compareceu, circulou e, inclusive – também é da versão fática do acórdão –, que os circunstantes portavam bonés da campanha.

Esses apartamentos – também consta do acórdão – estavam sendo disputados por 5.256 famílias.

Pretendemos, na sessão passada – lembrou o eminente ministro relator –, buscar a ratio legis do art. 77 da Lei no 9.504/97.

Na verdade, a ratio é esta: impedir o desequilíbrio, impedir ofensa ao princípio isonômico. Claro que uma solenidade que diga respeito a uma obra pública, com a presença do candidato – uma obra pública levada a efeito com a participação do candidato como administrador –, de certa forma gera o desequilíbrio. E, no caso, tem-se a hipótese de que cuida o art. 77 da Lei no 9.504/97: uma festa, uma solenidade, em que se faz o sorteio de apartamentos que estavam sendo disputados por 5.256 famílias.

O sentido de obra pública do art. 77 não quer dizer exatamente a inauguração de algo que se construiu. Penso que, quando se lança o sorteio de um sem número de apartamentos que estão sendo disputados por 5.256 famílias, tem-se aí, sem dúvida, algo que pode ser considerado inauguração de obra pública. Talvez uma obra pública que ainda esteja por concluir, mas cuja solenidade de lançamento vai gerar desequilíbrio entre os candidatos.



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Data venia, Ministro Carlos Velloso, a questão do desequilíbrio envolve uma releitura do art. 77, que deveria levar, talvez, a um tipo de proibição das inaugurações.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Mas existe a proibição.



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: A rigor, o simples fato da inauguração das obras públicas já provoca aquela questão da mais-valia.



O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (presidente): Sim, mas esse o legislador deixou para as formas mais complexas de apuração, por causa do abuso do poder político.



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Sim, por isso penso que se tem de fazer um devido distinguishing, sob pena de se produzir um tipo de...



O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (presidente): O que pode se dizer é que este ou aquele evento foi absolutamente inócuo, como a maioria do Tribunal entendeu no caso Cerquilho.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Em Tatuí, a inauguração se fez a 30km da cidade e o prefeito não tinha nada a ver com ela.



O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (presidente): Não tinha nada a ver com a inauguração, ainda que na ausência do candidato. O candidato no exterior pode ter efeitos políticos? Sim. Mas neste caso trata-se de abuso de poder, e não de caso de conduta vedada.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Impressionou-me neste caso o fato de que a obra não estava concluída.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: O eminente advogado trouxe da tribuna algo que deixei expresso no recurso que apreciamos aqui, de Goiânia, em que eu disse que esse dispositivo deve merecer interpretação estrita. No caso de Goiânia, não tínhamos ainda candidato. Portanto, iríamos estender a disposição do artigo a quem não era candidato, pelo menos ainda não.

Mas, neste caso, continuo entendendo que a interpretação há de ser estrita, mas temos que fazer interpretação finalística, que nada tem a ver com interpretação extensiva. Portanto, penso que, no caso, tem-se a ocorrência da disposição posta no art. 77 da Lei no 9.504/97. O acórdão, aliás, demora um pouco nas considerações a respeito desta solenidade. Diz assim:



“Na hipótese de edificação de moradia popular, há uma peculiaridade, consistente no fato de que, adotando-se a classificação de Hely Lopes Meirelles, (...) o resultado da obra pública não é um bem de uso comum do povo – como são as estradas, ruas e praças – tampouco bem de uso especial – tais como os hospitais, escolas e repartições públicas – mas sim um bem que é entregue ao cidadão, passando ao domínio particular, dentro das condições estabelecidas em cada programa habitacional”.



E foi o que aconteceu com o sorteio dos apartamentos para essas 5.256 ­famílias.

Também o acórdão expende considerações a respeito do desequilíbrio:



“Nessa linha de raciocínio, e lembrando-se que a finalidade da vedação ao comparecimento de candidatos à inauguração de obras públicas é justamente a de obstar o presumido desequilíbrio entre os concorrentes do pleito, é evidente que o momento no qual se proíbe a presença do administrador que concorre à reeleição é o do sorteio de casas ou apartamentos populares, por se tratar do evento de maior projeção política ao candidato”.



É incontestável essa afirmativa.

E aqui o acórdão reitera o que temos afirmado:



“Esclarece-se, ademais, que a conclusão acima enunciada decorre tão-somente da interpretação finalística da norma legal, o que não se confunde com interpretação extensiva ou aplicação analógica, na medida em que se está a perquirir apenas o exato alcance desta, com vistas à delimitação de seu âmbito de incidência”.



O outro voto, do juiz Décio Notarangeli, confirma essa versão fática. De modo que, neste caso, peço licença ao eminente colega, Ministro Caputo Bastos, para entender que se tem, no caso, a figura tipificada no art. 77 da Lei no 9.504/97.

Conheço e nego provimento.



VOTO



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Senhor Presidente, tal como já me manifestei em outras oportunidades, e tendo em vista toda esta moldura que marca o processo eleitoral e que não pode fugir à consideração desta Corte – que, creio eu, inclusive constrói um critério específico de hermenêutica a partir de uma abordagem teleológica –, não vejo como enquadrar esses eventos e esses episódios no disposto no art. 77 da Lei no 9.504/97, como inauguração de obra pública.

Penso até mesmo que, para que a norma não tenha um sentido adulterado, como temos verificado até aqui, é preciso que ela tenha aplicação estrita, uma vez que já decorre do simples fato inevitável de que o estado é um ente partidariamente ocupado e continua a ser governado por pessoas que estão vinculadas a partidos políticos e que disputam a eleição.

Até em tom um tanto quanto jocoso, disse eu que, talvez, a solução para neutralizar esses efeitos fosse, de fato, chegar à proibição das inaugurações das obras ou mesmo à proibição das obras no período eleitoral.

Mas, para que não fique sem sentido o art. 77, entendo que ele deva ser aplicado, estritamente, tal como o Tribunal já desenhou na sessão passada, a eventos ligados ao município e, de fato, à inauguração de obras.

Estamos a ver a presença dos mais altos dignitários em todos os eventos ligados à campanha, e isso é absolutamente normal. Ninguém é capaz de dizer que isso teria algo de anormal, a não ser que descambe para o pleno abuso, mas a indicação do governador de que tem um candidato, ou de que o prefeito tem um candidato, ou mesmo que o presidente da República tem um candidato, parece absolutamente normal, e haverá, como nós também temos ressaltado aqui, o ônus e o bônus desse processo.

De modo que estou ciente de que, na hipótese, para que não descambemos para um summum jus, summa injuria, temos de fazer uma aplicação estrita do art. 77. Esta parece ser a aplicação que reclama o texto no contexto das relações eleitorais.

Já vimos, naquele caso de Cerquilho, que é uma platitude dizer que a norma tem de ser aplicada, pelo menos, de forma inteligente. Neste caso, parece-me que se impõe também uma aplicação que guarde relação com o fato que se pretende obstar.

Assim, peço vênia ao eminente Ministro Carlos Velloso para acompanhar o relator.



VOTO (VENCIDO)



O SENHOR MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS: Senhor Presidente, parece-me que este caso não se confunde com a hipótese de Cerquilho nem de Tatuí. Em ambas as hipóteses, parece-me que as obras não se situavam exatamente dentro do município, ou na circunscrição.

Demais disso, Sr. Presidente, já tivemos oportunidade de votar em outro caso em que não se fez realmente o sorteio simples, mas até uma quitação antecipada de obras assemelhadas.

Já pelo tempo em que vimos observando a prática política, não é de agora que vamos desconhecer as seguidas inaugurações de obras públicas, e muitas delas até nem saíram do papel.



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Tem-se inaugurado colocação de tijolo e até enchente. Mas este é um outro fato.



O SENHOR MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS: Enfim, Senhor Presidente, creio que aquela solenidade, com a presença indiscutível, porque também deferida nos autos, de partidários do prefeito que pretende a reeleição... Há de se ter em consideração que o prefeito candidato à reeleição, deve, sim, guardar certas reservas, porque o princípio a preservar é o da igualdade dos candidatos.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: V. Exa. me permite sob esse aspecto, versão fática do acórdão: uma festa municipal; centenas de pessoas que recebiam os apartamentos, portavam bonés novos com propaganda da candidatura dos recorrentes.



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Mas em qualquer solenidade que tiver prefeito, governador ou o presidente da República, vai haver.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Em qualquer solenidade ou festa, todo mundo haverá de participar.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: O acórdão chama atenção para isto: não se pode ignorar o impacto do evento. E não podemos ignorar. Multiplique 5.256 famílias. Vamos colocar três, quatro, cinco pessoas para cada ­família.



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Então, V. Exa. está indo na direção da questão, do abuso na questão da inauguração, e não da aplicação do art. 77 da Lei no 9.504/97.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Veja, Ministro Gilmar Mendes, se colocarmos quatro pessoas integrantes de uma família – e as famílias pobres costumam ter muito mais integrantes –, pelo menos 20 mil pessoas estavam sendo atingidas com aquele sorteio de apartamentos.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Cinco mil eram candidatas. Só receberiam 224 apartamentos.

Mas a obra não foi inaugurada. Como vamos enquadrar no art. 77 uma obra não acabada?



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Ministro, consta à fl. 285: “(...) apartamentos disputados por 5.256 famílias”.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Seriam 224 apartamentos, ministros. Isso consta do acórdão.



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Dessas 5.256, seriam sorteadas 300. Vale dizer, 5 mil sairiam insatisfeitas, porque não seriam sorteadas.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Se for considerado isso, os que não fossem contemplados sairiam insatisfeitos. Também concordo.

A questão é saber se o sorteio se equipara à inauguração de uma obra pública para fins de aplicação do art. 77 da Lei no 9.504/97. Essa é a hipótese dos autos. Por isso, trouxe os dois votos para balizar a tese jurídica.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Veja no acórdão:



“Não se pode ignorar o impacto do evento em questão no qual uma grande massa de pessoas aparece com bonés amarelos contendo a inscrição (Quinzinho), nome pelo qual o recorrente Joaquim Horácio é conhecido na região (...)”.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Isso é incontroverso. Como poderia haver outros milhares de pessoas portando bonés e outros objetos dos demais candidatos.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Não havia, ministro. A versão fática do acórdão fala em bonés com a inscrição Quinzinho e o número 45, que corresponde a sua legenda partidária, em azul.

Solenidade, data venia, com ampla repercussão eleitoral.



O SENHOR MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS: Senhor Presidente, no caso, não cabe fácil na cabeça de ninguém que se sorteiem apartamentos para entrega futura, em época de eleição.

Mas a Procuradoria colocou a questão sob a ótica do recurso especial e positivou que estamos em sede de recurso especial e não de embargos infringentes. Houve uma qualificação jurídica e o exame da prova – o Ministro Velloso revelou esse exame, a conclusão a que chegara –, e é indiscutível a presença do prefeito a esses atos. Doravante, por certo, quem sabe, não teremos mais inaugurações, como tais qualificadas, mas com outros apelidos.

Por isso, Sr. Presidente, e, sobretudo, por entender que não deveríamos estar aqui revolvendo a prova em sede de recurso especial, acompanho o voto dissidente, pedindo muitas vênias ao relator e ao Ministro Gilmar Mendes.



VOTO



O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Senhor Presidente, preocupa-me muito a necessidade de, ao tempo em que aplicamos o dispositivo, a sanção, assegurarmos uma compreensão correta, exata, dessa norma, para que não haja surpresas.

No caso, a meu sentir, trata-se de regra que tem todas as características de norma penal, que diz ser proibido aos candidatos, nos três meses que precedem o pleito participar de inaugurações comina sanção de cassação do registro.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Se ela é uma norma sancionadora, com uma gravidade dessas, eminente Ministro Velloso, permita-me uma ponderação. Ou examinamos sob a ótica da tipicidade estrita, ou vamos, a partir de amanhã, dizer: lançou-se o edital.

Se houve um evento público, e foi na véspera, também vamos equiparar?



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Estamos fazendo interpretação estrita, porém finalística. É muito diferente.

A interpretação inadmissível seria a analógica, extensiva. Fizemos essa interpretação finalística na sessão passada e V. Exa. se refere a ela.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): Por isso registrei que concordava com Vossa Excelência.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Sustentamos que se trata de algo capaz de estabelecer o desequilíbrio, de atentar contra o princípio constitucional da igualdade.



O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: É uma festa estadual.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Defronte do paço da cidade, defronte da Prefeitura Municipal.



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Ministro Velloso, para voltarmos aos marcos de aplicação do art. 77, porque é esta a questão que está em jogo: com a presença ou não do prefeito. A festa seria realizada, pelo entendimento dominante, independentemente da presença do prefeito, como tem ocorrido.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Ministro, que ingenuidade, data venia. Isso se fez em obséquio à candidatura municipal. Sem dúvida que, se o prefeito não comparecesse – aliás, ele não deveria ter comparecido –, também tiraria proveito.

Mas o comparecimento dele, mostrando ser uma festa da sua candidatura, fê-lo estar incluído na figura típica do art. 77 da Lei no 9.504/97.



O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Senhor Presidente, parece-me que poderíamos, até por instruções, por resoluções, esclarecer isso. Mas a insegurança é absoluta. Imagine: o que se estava inaugurando? Absolutamente nada. Disse-se que era uma obra pública. A obra pública estava a 500 metros e não estava inaugurada.

O que se fez? Um sorteio. E eu até diria que não foi bem um sorteio, mas uma roleta russa, e o que me preocupa é essa insegurança. Não havia inauguração, a não ser que se tenha bingo como inauguração. No dicionário, as palavras são absolutamente diferentes. No caso, insisto houve um sorteio que iria beneficiar algumas duzentas e tantas pessoas e deixar insatisfeitas outras tantas. Não aconteceu nenhuma inauguração.

Mas não é isso que me preocupa. Parece que os bonés e o número de pessoas que lá estavam eram irrelevantes. O que se pergunta é: o que se estava inaugurando? Se o prefeito me consultasse, eu, como seu consultor, diria: “Pode ir, trata-se de mero sorteio; é como entrar numa casa de bingo”.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): V. Exa. me permite fazer um esclarecimento?

Diz o voto vencedor, que está à fl. 274, e o eminente Ministro Carlos Velloso pode conferir, por gentileza:



“Desse modo, ao contrário do que ocorre nas obras públicas que revertam em proveito geral, não é a celebração pelo término da obra o ponto culminante desta, no qual o administrador dela extrai proveito eleitoral, mas sim o ato de sorteio (...)”.



Eu até nem sei se todas as obra públicas são objeto de sorteio.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Vamos terminar o ­parágrafo:



“Desse modo, ao contrário do que ocorre nas obras públicas que revertem em proveito geral, não é a celebração pelo término da obra o ponto culminante desta, no qual o administrador dela extrai proveito eleitoral, mas sim o ato de sorteio, ao qual se destina a maior publicidade e necessariamente todos comparecem e tomam contato com o benefício que ela ­resulta”.



Perfeitamente lógico o raciocínio do juiz:



“(...) como lembrado pelos recorridos, esses apartamentos eram disputados por 5.256 famílias, que compareceram em peso, dada a importância do objeto de disputa, ao passo que à efetiva entrega dos apartamentos não se atribui grande destaque, dada a repercussão limitada às famílias vencedoras do sorteio”.



O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS (relator): E aí vem o trecho:



“Em suma, enquanto nas obras destinadas ao uso da coletividade, a finalização e entrega desta é ato principal, nas obras que passam ao domínio particular, o ato equivalente à inauguração é justamente o sorteio, na medida em que, após a realização deste, a obra passa a ser de interesse apenas dos contemplados, e não proporciona projeção ao administrador”.



Por que não? Ele está mostrando claramente que não existe a hipótese, a tipicidade à luz do art. 77. E ele fez a equiparação com o sorteio.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO:



“Nessa linha de raciocínio, e lembrando-se que a finalidade da vedação ao comparecimento de candidatos à inauguração de obras públicas é justamente a de obstar o presumido desequilíbrio entre os concorrentes do pleito [é o que nos sustentamos], é evidente que o momento no qual se proíbe a presença do administrador que concorre à reeleição é o do sorteio de casas ou apartamentos populares, por se tratar do evento de maior projeção política ao candidato.”



O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Nessa circunstância o prefeito estaria proibido de chegar à janela da Prefeitura.



O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Bons estudiosos de hermenêutica sustentam que não devemos partir para hipóteses absurdas de interpretação, data venia.



O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Mas punir esse homem é uma hipótese absurda, data venia. Transformando uma solenidade de sorteio em inauguração de algo que não está pronto, que está distante. Realmente, não se pode aplicar uma sanção com tanta elasticidade.



O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Não se trata de inauguração de obras.



O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: O escopo desta norma não é o de caçar prefeito. Temos que pensar que o nosso cassar escreve-se com dois “s”, não com “ç”.

Peço vênia para acompanhar o eminente relator.



EXTRATO DA ATA



REspe no 24.108 – SP. Relator: Ministro Caputo Bastos – Recorrentes: Joaquim Horácio Pedroso Neto e outra (Advs.: Dr. Antonio Tito Costa e outros) – Recorrido: Santo dos Reis Siqueira (Advs.: Dr. Ademir de Freitas Pereira e outros).

Usaram da palavra, pelo recorrente, o Dr. Antonio Tito Costa e, pelo recorrido, o Dr. Ademir de Freitas Pereira.

Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do relator. Vencidos os Ministros Carlos Velloso e Francisco Peçanha Martins. Ausente o Ministro Luiz Carlos Madeira.

Presidência do Exmo. Sr. Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes os Srs. Ministros Carlos Velloso, Gilmar Mendes, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Caputo Bastos e o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, vice-procurador-geral eleitoral.

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